O Dicionário Parkatêjê, fruto do trabalho iniciado em 1974, com esse povo, quer ser um instrumento de pesquisa e apoio à revitalização cultural da comunidade indígena que habita a Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins, no estado do Pará. Apresento esta “penúltima” versão, pois a língua continua viva, apesar de se inscrever no grupo daquelas tecnicamente consideradas como fadadas ao desaparecimento. Ao longo desses anos, em cada período de trabalho com o chefe dos parkatêjê, ou com outros membros da comunidade, foi possível aprender novos dados culturais e, consequentemente, novas palavras, novo uso de palavras conhecidas, por isso acredito que ele servirá às gerações mais novas, dentro de uma política de reafirmação de sua identidade indígena.
A obra aqui apresentada tem seu embrião no Vocabulário do Parkatêjê, que constitui o segundo volume de minha Tese de Doutoramento (1989). Aquele Vocabulário apresentava cerca de mil entradas, com a tradução para o português e alguma informação morfológica. Nesta obra há quase o triplo dos verbetes iniciais, resultado da coleta de texto bem mais ampliada do que a de trinta anos atrás, que informou o primeiro Vocabulário. A sociedade circundante tem já suas raízes bastante enterradas no solo parkatêjê, por isso, o presente dicionário inclui nomes próprios de pessoas, dos personagens fundadores, de aldeias, de acidentes geográficos e de eventos culturais, além de informações de natureza histórica e social, no intuito de garantir esse conhecimento às novas gerações. Enquanto pesquisadora, considero necessário sistematizar os dados da pesquisa, a fim de que se tornem instrumentos que permitam à comunidade, conforme suas próprias decisões, optar pela valorização, ou pelo apagamento da tradição de seus antepassados. E os parkatêjê querem muito esse dicionário.
Durante todo o tempo de meu trabalho com a língua da comunidade, meu principal informante tem sido o chefe Krôhôkrenhũm, embora sua primeira esposa Pôjarêtêti e muitos outros membros mais velhos da comunidade tenham igualmente contribuído com informações, elucidando dúvidas, indicando-me novas palavras e/ou fornecendo-me exemplos, ao longo desses anos. Nos créditos está o registro de seus nomes.
A estrutura do livro é: apresentação da obra; abreviaturas utilizadas; verbetes, organizados por ordem alfabética de suas entradas, em duas seções: dicionário geral e dicionário de nomes próprios. Além disso, três documentos integram a obra: Notas sobre casamento, parentesco e nomeação; Anotações de alguns microfilmes do acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro; Documento de cessão definitiva aos índios “Gaviões”, das terras por eles ocupadas.
A entrada é apresentada com separação silábica, indicada por um ponto, para dar conta das diferentes possibilidades de segmentação morfológica de eventuais “encontros consonantais”.*
A estrutura do verbete é, pois: en.tra.da, em negrito, com as sílabas separadas por ponto; [registro da pronúncia], entre colchetes, no caso de variantes, elas são registradas ortograficamente, assim, são apresentadas em entrada remissiva; classe gramatical (e eventual subclasse); estrutura morfológica (com morfemas separados por sinal de adição); tradução; [explicação histórica ou social], entre colchetes, quando pertinente e disponível; eventual exemplo, em itálico, com sua tradução; (remissiva), entre parênteses. Nos nomes próprios – desnecessário indicar a classe gramatical – estrutura morfológica, significado e, quando pertinente, (sua motivação), entre parênteses. [Indicação das relações sociais, ou de aspectos históricos, sociais e/ou culturais], quando disponíveis, são apresentados entre colchetes. Vejam-se os exemplos abaixo:
- a.war [a’ßaɾ] ~ war sc inajá Awarprẽmp pô pre Conca do inajá junta as folhas (palhas) [verso de cantiga da awar] (ver warhyre)
- Jà.tà.ti [‘ʒʌtʌ’ti] jàt+ti Batata doce (nomeadora gosta de tirar batata) [mulher de Aitere, tio materno de Jõkàntỳtỳre]
O levantamento de nomes próprios de pessoa não é exaustivo, mas contém tanto nomes de antigos, já falecidos, como nomes de crianças atuais. A intenção é explicitar a maneira tradicional de nomear, incentivando o estabelecimento de um acervo mais completo, pelos próprios membros da comunidade.
Em termos visuais, utilizamos para ilustrar cada letra do alfabeto parkatêjê o desenho de um animal cujo nome começa com, ou contém a letra em questão. No caso das três vogais que não ocupam essa posição, mantivemos o desenho de um animal cujo nome as contém, para que o alfabeto, em cursiva e bastão fique representado. A maioria dos desenhos foi feita nos anos 80, por Kruwati Gavião, então jovem entusiasta pelo ensino da língua, e que já não está entre nós; os demais foram feitos pelo Professor Jaxàti, conhecido como Piare e alguns jovens por ele designados e um deles por Prõtewôre.